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Blog do Acessuas Trabalho
27/05/2015
No final de agosto, o jovem Gustavo Torres, 17 anos, embarcará para a
Califórnia (EUA) para cursar Engenharia Física na renomada Universidade de
Stanford, celeiro de ganhadores do Prêmio Nobel. Aluno aplicado, ele foi aceito
também por outras quatro grandes instituições de ensino superior
norte-americanas: Harvard, Duke, Columbia e MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts). A viagem marcará uma mudança radical na trajetória da família
Torres dos Santos.
Gustavo nasceu pobre. Morador do Capão Redondo, uma das áreas mais
violentas da Grande São Paulo, beneficiário do Bolsa Família, o filho da
cuidadora de idosos Juldete Torres dos Santos e do eletricista Adalberto Claro
da Silva se dedicou aos estudos: “Sempre soube que os estudos possibilitariam a
realização dos meus ideais. Até mesmo quando eu me sentava no fundão da sala de
aula, eu procurava ensinar os alunos mais bagunceiros, e eles me deixavam mais
descontraído, menos nerd, reduzindo minha timidez”, revela.
O adolescente foi aluno da Escola Estadual Miguel Munhoz Filho. Depois
de exibir bom desempenho em uma olimpíada de matemática, ganhou a indicação da
professora para disputar uma bolsa no Instituto Social para Motivar, Apoiar e
Reconhecer Talentos (Ismart), organização que apoia estudantes de baixa renda e
oferece bolsas de estudos em colégios particulares de excelência em São Paulo e
no Rio de Janeiro. Gustavo ganhou bolsa também para estudar inglês.
Mesmo com a pesada rotina de estudos, foi dar aulas na sua antiga escola
do Capão Redondo aos sábados, para ajudar colegas que tinham interesse em
conseguir bolsa de estudos como ele. No início deste mês, o adolescente, que
sempre sonhou em estudar no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde
também foi aceito, optou por Stanford. “O lugar tem mais a ver comigo e serei
mais feliz lá”, acredita.
Gustavo ganhou bolsa da instituição de US$ 62 mil por ano e quer voltar
ao Brasil após a conclusão do curso de quatro anos. “Quero fazer a diferença
aqui e retribuir toda a ajuda recebida.”
Do lixão à academia – A mesma motivação em compartilhar o conhecimento
adquirido é demostrada por Dorival Gonçalves dos Santos Filho. Aos 32 anos e
cursando doutorado em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Dorival também contrariou as expectativas que a trajetória de pobreza
da família pareciam lhe reservar.
Natural de Piedade, cidade do interior de São Paulo, Dorival acompanhava
as incursões da mãe no lixão quando tinha quatro anos de idade. Catava material
reciclável para tentar vender e garantir algum dinheiro complementar à renda da
família, já que o pai trabalhava na área da construção e quase não ficava em
casa. “Nós pegávamos tudo do lixão. Passava fome, fiquei muito doente, tive
desnutrição”, conta.
Dorival precisou deixar os estudos na 8ª série, embora a mãe, Crélia de
Oliveira, que só chegou à 4ª série, sempre o incentivasse a estudar. “Ela me
ensinou a gostar de ler me dando os gibis que encontrava no lixo”, diz. A volta
aos estudos aconteceu bem mais tarde, quando ele já havia completado 20 anos.
“Não pensava em ir pra faculdade. Quando surgiu o ProUni, pensei em
talvez fazer tentar o programa, mas queria mesmo só terminar o ensino médio.”
Em 2004, com a complementação de renda do programa Bolsa Família paga à mãe,
Dorival sentiu-se motivado a tentar o ensino superior. “Com o Bolsa Família, a
renda deu uma melhorada e eu fui buscar meu sonho.”
Apaixonado pela leitura e pelas letras, estimulado também pelos
professores e com uma biblioteca particular com centenas de títulos retirados
do lixo, o ex-catador conquistou uma vaga na Universidade Estadual de São Paulo
(Unesp) aos 24 anos. Em 2010, formou-se em Letras, com habilitação em francês.
Tinha novos sonhos. Queria seguir a carreira acadêmica.
No ano seguinte, mudou-se para Florianópolis (SC) e iniciou o mestrado
em Linguística. Dava aulas para se sustentar. “A primeira vez que pisei numa
sala de aula como professor, eu chorei. Foi uma emoção enorme”, relata Dorival,
que espera continuar lecionando e garantir uma vida melhor à família, que agora
vive em Guará Mirim, na região norte de Santa Catarina. “Minha mãe está muito
orgulhosa. Sou o primeiro filho a conseguir uma graduação. Eu agradeço muito
todo o incentivo que recebi dela.”
Um novo ciclo – Como Gustavo e Dorival, toda uma geração de brasileiros
dá passos firmes para superar a história de pobreza de seus pais por meio dos
estudos. “Há uns 10 anos, se você perguntasse para os estudantes do 3º ano quem
iria fazer universidade, três ou quatro levantavam a mão. Hoje, se você faz a
mesma pergunta, 100% levantam a mão e acreditam que pode entrar na universidade”,
afirma Humberto Antônio Nunes Mendes, coordenador da Escola de Ensino Médio
Governador Adauto Bezerra, em Fortaleza (CE), onde cerca de 80% dos alunos da
escola são beneficiários do Bolsa Família.
Humberto Mendes aponta mudança de mentalidade dos alunos. (Foto:Ubirajara Machado/MDS). |
Mendes conta que os adolescentes são estimulados a acreditar que suas
conquistas não são individuais. São da família e da comunidade onde vivem.
“Entendemos que eles podem ser agentes de transformação no meio onde vivem. O
que nos move nesse trabalho pedagógico é isso. Sentimos que somos parte da
conquista deles.”
O coordenador destaca que os resultados positivos são reflexo do
trabalho dos professores, da gestão e de um projeto pedagógico ousado. “Muitos
desses meninos são os primeiros de uma geração que estão entrando em uma
universidade. Isso significa que eles estão acreditando que podem fazer
diferente. Muitas vezes esses estudantes são as pessoas mais cultas de uma
família carente.”
Ex-aluna da Adauto Bezerra, Rebeca Rodrigues, 18 anos, foi beneficiária
do Bolsa Família. Aprovada para o curso de História da Universidade Estadual do
Ceará, depois de fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ela acredita
que a exigência de frequência às aulas prevista no programa ajudou em sua
trajetória. “Muita gente não sabe a importância que tem o Bolsa Família porque
sempre tem tudo muito fácil. Para a minha mãe até hoje faz muita diferença.”
Condicionalidade do Bolsa Família auxiliou Rebeca Rodrigues.
(Foto:Ubirajara Machado/MDS).
Realizada por conseguir atingir um sonho que parecia impossível, Thays
Cruz Souza, 17 anos, cursa Física na mesma universidade. Também beneficiária do
programa de transferência de renda condicionada, ela diz que o benefício fez
toda a diferença para a família. “Sempre enfrentamos dificuldades. Eu moro bem
distante da escola e preciso pegar ônibus. Então, usava o dinheiro para
passagem e merenda escolar porque eu ficava o dia todo na escola”, relembra a
ex-aluna do Adauto Bezerra.
Em todo o Brasil, cerca de 17 milhões de alunos são beneficiários do
Bolsa Família e 76.602 escolas têm maioria de alunos do programa.
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